AS FALHAS DA JUSTIÇA
20/4/10
Alteração em lei que trata de crimes sexuais acaba por beneficiar criminosos.
Feita no ano passado com o objetivo de agravar as punições aos autores de crimes sexuais, mudança na legislação tem efeito contrário.
Réus conseguem revisão de sentença devido à extinção do artigo que tipificava o atentado violento ao pudor e reduzem quase à metade as penas impostas inicialmente
Uma mudança na legislação sobre crimes sexuais, feita em agosto do ano passado com o objetivo de agravar as punições nesses casos, tem provocado efeito contrário.
Com a extinção do artigo que tipificava o atentado violento ao pudor (todas as condutas diferentes do sexo vaginal) e sua realocação com o tópico que já tratava da conjunção carnal, os condenados pelos dois crimes, que tinham as penas somadas, agora estão conseguindo revisão da sentença.
Argumentando que o atentado violento ao pudor não mais existe como tipo penal, juízes estão cortando até metade da pena imposta inicialmente aos abusadores — conforme decisões recentes obtidas pelo Correio — e colocando-os mais cedo nas ruas.
O entendimento divide membros do Judiciário, do Ministério Público e especialistas.
Para o defensor público no DF Michel de Souza Lima, a ideia de crime único para a conjunção carnal e para os demais atos libidinosos é adequada.
“Nós, da defesa, sustentamos que as penas não devem ser somadas, mas sim termos uma única pena aumentada, conforme as circunstâncias do caso concreto”, destaca.
O desembargador Roberval Casemiro Belinati, presidente da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, confirma que inicialmente o entendimento dos juízes foi no sentido de simplesmente extinguir a pena referente ao atentado violento ao pudor.
“Agora, passados alguns meses, continuamos desconsiderando o atentado, pois a lei modificada determina que assim seja, mas estamos aumentamos a pena do estupro. 10:46 (1 minuto atrás) excluir
Num primeiro momento, pode parecer que o criminoso está sendo beneficiado, mas não se trata disso.
Essa modificação veio resolver muitas distorções”, diz.
Revitimização
Na avaliação da promotora Maria José Miranda, a mudança (1)na legislação trouxe entendimento que não só beneficia o criminoso como atenta contra a segurança da sociedade.
“Para a vítima, é como sofrer um novo estupro saber que o agressor estará nas ruas de novo depois de cumprir um tempo ridículo na cadeia”, afirma a promotora.
Ela não concorda com a interpretação dada à lei após a alteração, em agosto passado.
“O legislador usou a técnica ruim?
Usou.
Mas muito pior que a redação ruim é uma decisão ruim.
Não é razoável entender que duas pessoas praticaram o mesmo crime, sendo que uma estuprou uma vítima, já a outra estuprou, obrigou ao sexo anal e ao sexo oral, só para citar algumas barbaridades comuns em qualquer processo do tipo”, destaca.
“Quem tem repugnância por esse tipo de conduta não vai pela interpretação de crime único.”
Embora os acórdãos do Tribunal de Justiça do DF tenham enveredado pela interpretação de crime único desde que a lei foi alterada, Fernando Barbagalo é prova viva de que ainda não existe consenso entre os magistrados.
Para o juiz, a tese não se sustenta quando analisados os fatos reais.
“Sou contra a generalização.
Eventualmente, atos libidinosos que antecedem ou sucedem a penetração vaginal, dependendo do contexto, podem ser considerados um único crime.
Uma manipulação da genitália, por exemplo, antes do estupro consumado.
Mas atos estanques, como o sexo oral primeiro e depois a penetração, para mim são, claramente, dois crimes”, defende Barbagalo.
O magistrado nem considera ruim a modificação sofrida pela lei.
“Só porque as condutas estão agora dentro do mesmo artigo não podem ser consideradas crimes distintos?
Eu não tenho essa opinião”, sustenta. 10:47 (0 minutos atrás) excluir
Para o especialista em direito penal, Adel El Tasse, porém, tecnicamente tal interpretação é a única possível.
“Com a mudança da redação, independentemente de quantos atos a pessoa praticar, estará praticando um só crime.
Seria mais ou menos como se eu provocasse várias lesões corporais em alguém, com socos, golpes, chutes.
Ainda assim, praticarei um único crime”, com para o professor.
Tal efeito, na avaliação de El Tasse, não foi previsto pelo legislador.
“Infelizmente ele não reflete sobre todos os desdobramentos de uma alteração na lei.
Até porque essa repercussão, do crime único, não me parece justa.
Estamos falando de crimes dos mais graves numa sociedade democrática”, critica o especialista.
Demanda
Embora não haja estatísticas em nenhum órgão que lida com o assunto — Judiciário, Ministério Público ou Defensoria Pública —, é consenso que o efeito mais imediato da mudança na lei de crimes sexuais, ocorrida há oito meses, foi uma corrida aos tribunais, por parte da defesa de condenados por estupro, solicitando diminuição da pena.
“São centenas de casos, toda semana recebemos processos com esse teor”, afirma a promotora Maria José Miranda.
O juiz Roberval Belinati, presidente da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, confirma.
“Após a mudança, todos estão requerendo, pois é um direito.
Só eu já analisei uns 20 casos”, destaca.
1 - Fusão polêmica
O principal mérito da mudança na lei de crimes sexuais foi determinar que tanto o homem quanto a mulher podem ser vítimas do estupro.
A redação antiga do artigo 213 do Código Penal definia estupro como “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”.
A palavra mulher foi trocada por “alguém” no novo texto.
O motivo da discórdia, porém, foi a extinção do artigo 214, que tratava de outras condutas diferentes da conjunção carnal, classificadas como atentado violento ao pudor, cuja pena variava de 6 a 10 anos.
Na nova lei, tal tópico foi fundido com o artigo 213, com a seguinte redação:
“Praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
FONTE
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CORREIO BRAZILIENSE